A Ponte Inflexível

Por que tem de chover toda vez que saio de roupa nova? Por que apanho uma gripe quando mais preciso trabalhar? Por que existem furacões e terremotos? Por que a morte nos vem tirar justamente aqueles que mais amamos, e quando menos esperamos? Por acaso não poderia a natureza ser um pouco mais compreensiva, pensar em nós, que sofremos os efeitos dos ventos e de seus micróbios, acomodar-se um pouco à nossa situação e evitar que passássemos por crises desnecessárias? Nós todos aceitamos as leis naturais que permitem o universo funcionar, mas não seria possível que a mãe natureza levasse em conta a situação concreta de cada um e evitasse nossos sofrimentos pessoais, que a nada levam? Não poderia a chuva ser atrasada um pouco, reduzidos os efeitos dos micróbios, e a morte esperar? Não poderia ser mais maternal, a nossa mãe natureza? Aqui está uma experiência vivida por Rabindranath Tagore, e sua respectiva reflexão: "Um dia, quando eu navegava sob uma ponte, o mastro do meu barco atingiu aqueles arcos. Teria sido melhor para mim se o mastro tivesse se inclinado uns poucos centímetros, ou que a ponte tivesse curvado seu dorso como um gato, ou que o nível do rio tivesse baixado um pouco. Mas nada disso aconteceu para evitar o choque do mastro com a ponte. E era exatamente por isso, pela firmeza que cada uma das coisas mantinha, que eu podia servir-me do rio e navegar sobre ele com a ajuda do mastro do meu barco, e que eu podia contar com a ponte quando a correnteza não era favorável. Esse rigor inquebrantável da realidade costuma ser obstáculo aos nossos desejos e nos levar ao desastre, do mesmo modo que a dureza do solo se torna inevitavelmente dolorosa para a criança que cai, quando está aprendendo a andar. E, no entanto, essa mesma dureza que a fere é que faz com que a criança possa caminhar sobre o solo"... Leis são leis, e o capricho cria o caos. A lei nos fere quando é contrária aos nossos interesses imediatos, mas nos serve de amparo no âmbito universal de nossa existência. Seria fantástico para nós se o mastro se inclinasse, ou a ponte curvasse o dorso, evitando o choque que vai ser doloroso para nós. No entanto, se os mastros se dobrassem e as pontes curvassem curvassem o dorso conforme a vontade de qualquer pessoa, não poderíamos navegar pelos mares nem atravessar os rios. Vale muito mais o choque que nos fere, por mais doloroso que possa ser, pois a natureza tem suas normas, e nossa salvação está justamente em respeitá-las e acatá-las. Todos nós ferimos os joelhos ao tropeçar e cair quando crianças, mas, graças a esses pequenos arranhões, hoje podemos andar e correr pelos caminhos da vida, que sabemos que suportam a nossa passagem. Temos de aceitar o todo, embora às vezes sejamos feridos pelos detalhes. É assim que funciona o universo.